A interdependência nas relações é natural da condição humana, seja afetiva, intelectual ou espiritual. No entanto, a interdependência que se expressa por meio de chantagens ou ameaças, compromete o grau de confiança da criança nos pais, e em si própria. O grande desafio do processo educativo é, pois favorecer o desenvolvimento da autonomia. Imersos nos problemas cotidianos de uma sociedade que tem pressa, freqüentemente, impomos aos filhos muitos de nossos desejos e vontades que pouco contribuem para a formação deles. A imposição de regras e procedimentos sem interesse e de forma incoerente, além de não encontrar “eco” no pensamento da criança pequena, faz com que percamos a oportunidade de dar-lhe o entendimento e a funcionalidade das regras indispensáveis à sua segurança e convívio social.
O sofrimento, muitas vezes, é inevitável, e pode em várias situações ser inserido muito cedo na vida de nossas crianças em razão dos acontecimentos que as rodeiam, resultante do contexto social e familiar. O anseio em acertar na educação das crianças pode desencadear um movimento em que ela passa a ser constantemente contrariada em suas iniciativas, em suas atividades inocentes, sendo importunadas no fazer ou não fazer isto ou aquilo...
A falta da liberdade de movimentos e expectativa do adulto por expressões coerentes e pertinentes pode ocasionar a ausência de experiências e trocas necessárias para que a criança possa construir referenciais norteadores e seguros em direção à autonomia pessoal. Para certos pais, a criança sempre tem de fazer depressa, comer logo, obedecer, imediatamente, apressar-se sempre, seguir o ritmo do adulto. Esse comportamento gera insegurança e dependência na criança que se coloca em uma situação passiva, de quem não sabe fazer nada certo, esperando sempre que o adulto faça por ela. A criança fica contente em agir por si só, em passar horas vestindo-se sozinha, pondo os sapatos, pondo a camisa pelo avesso, ou atrapalhando-se toda sem ser recriminada pelo adulto. Essa relação de respeito e confiança é fundamental para o fortalecimento da autoestima e autoconfiança da criança.
A cilada da relação pais-filho está em não reconhecer as verdadeiras necessidades da criança, que incluem a liberdade e os limites. Come-se bem ou mal, faz-se bem ou mal cocô, a família gira em torno disso... Mas o importante é que a criança seja segura, autônoma, o mais cedo possível. A criança tem necessidade de sentir que “gostam que ela se torne” segura de si no espaço, cada dia mais livremente, que lhe permitam explorar, viver experiências pessoais e relacionais com pessoas de sua idade.
A criança aprende gradativamente, e deve “automaternar-se” já aos dois ou três anos, e por volta dos seis anos, autopaternar-se, ou seja, saber comportar-se em casa em tudo que lhe concerne, assim como em sociedade. São as experiências assistidas que desenvolvem a motricidade. É o amor, a ternura consoladora que permitem superar fracassos, e não o fazer tudo para criança ou em seu lugar, irritando-se quando ela faz uma bobagem. O espaço e o tempo de comportamento livre, a convivência com outras crianças, a autonomia em suas brincadeiras e nos ritmos de suas necessidades: alimentação, excreção, sono, essa é a arte da educação das crianças e é também o que as incentiva a respeitar o tempo e o espaço de ocupação livre dos pais.
Texto adaptado do livro “As etapas decisivas da Infância”. Autora: Françoise Dolto. Ed. Martins Fontes Ajude seu(sua) filho(a) a tornar-se cada dia mais independente; ele pode:
Guardar os brinquedos rotineiramente;
• Ajudar a arrumar a cama;
• Pôr a roupa suja no lugar adequado;
• Ajudar a arrumar a mesa do almoço;
• Zelar pelos pertences da escola;
• Fazer escolhas possíveis...
Virgínia de Pina Oliveira